sábado, 16 de abril de 2011

Bruno Gagliasso fala sobre os encantos da exposição de Escher

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Há alguns meses, ao me deparar com o título da novela em que atualmente trabalho, "Cordel Encantado", fui tomado por uma necessidade incontrolável de entender a ideia de encantamento.


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Bruno Gagliasso (foto) diz que se "despersonalizou" em meio às obras e instalações sensoriais de Escher


Não conseguia me satisfazer com o que já conhecia e parti para uma pesquisa dos sentidos e da etimologia dessa palavra. Me deparei, então, com o original em latim: "encantado" vem de "incantatus", que, por sua vez, deriva de "can(t)", que vai dar em "canun" ou "canere", origem da palavra cantar.

O mestre Houaiss, grande dicionarista, cita como exemplo o canto dos pássaros. Pois bem, essa viagem sobre os sentidos da palavra "encantamento" se repetiu de modo incrivelmente parecido quando caminhei pela exposição da obra de Escher.

Mas essas duas viagens que se entrelaçaram no meu coração --como as duas asas de um mesmo pássaro-- não se restringiram a uma associação simplista. Explico: um dos sentidos da expressão "encantar" é "desaparecer", como na expressão: "O que é feito dele? Encantou-se?".

Pois bem, foi assim que me senti no meio daquelas obras e instalações sensoriais. Eu me despersonalizei, deixei de ter a sensação de contorno do meu corpo e do meu eu. Isto tudo mesmo antes de pisar sobre um quadrado reproduzido no chão, que nos traz a sensação de que o chão e o teto desapareceram e que estamos no centro do infinito.


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Na foto, uma das instalações que compõem a exposição de Escher, que chega ao CCBB na terça-feira (19)


Isso só para citar uma das propostas da exposição e não tirar a graça da surpresa. O fato é que, já ao entrar, eu já não era o Bruno, mas algo mais volátil, quem sabe um canto? Um som se espraiando no ar? Por outro viés, o mestre Aurélio fala de um curioso sentido da palavra encantado. Trata-se de uma gíria bem brasileira, comum entre os ladrões, para se referir a um cofre que está à frente deles mas cujo segredo eles não detêm.

E isso me remete a um aspecto que considero crucial no trabalho de Escher. Ele, como um ladrão da natureza, guardou em sua mente um cofre grandioso, mas com uma diferença: o segredo desse cofre, ele conhecia muito bem. As sensações produzidas por suas obras não foram conquistadas com meros truques de ilusionismo, mas são fruto de anos de pesquisa árdua sobre padrões matemáticos.

E isso para alguém que quando jovem nunca se deu bem nos exames de matemática, para desgosto do pai. O que quero destacar para o público menos especializado é que sua trajetória de artista deixa bem claro que não há nenhuma oposição entre matemática e magia, entre precisão e deslumbramento.

Escher não é um intuitivo, embora as equações matemáticas que ele transformou em sedução precisem de muita intuição para serem alcançadas. Ele transpassou o limite do possível e usou a matemática do possível para chegar a uma geometria do impossível.


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Público de SP poderá ver dez instalações interativas (foto) e 95 obras de M.C. Escher, com entrada gratuita

Algumas das obras que mais me fascinam em Escher são aquelas em que ele usa a silhueta de pássaros. Sempre que me deparo com essas obras, vem à minha mente a bela música "Oiseaux Exotique" ("Pássaro Exótico"), do músico francês Olivier Messiaen. Ele era mestre em criar obras musicais baseadas no canto de pássaros. Além de músico, o artista francês era um grande ornitologista. Em sua pesquisa de campo sobre o canto dos pássaros, Messiaen percebeu que existia um canto especial que os pássaros executavam mas que não tinha função biológica, como ao do acasalamento ou defesa de território.

Ao contrário, ao desabrochar da aurora, certos pássaros cantavam apenas para homenagear a chegada do sol, produzindo um canto puramente estético. Pássaros artistas, pássaros encantados. E finalizo confessando um segredo: foi com essa canção chamada "pássaros exóticos" na cabeça que percorri toda a exposição

Ou melhor, como um pássaro exótico, atravessei aquelas obras, desaparecido e invisível. Eu, Bruno, um ator encantado, cantava sobrevoando o infinito como se a obra de Escher fosse a chegada da aurora. Viva a obra de arte!


Bruno Gagliasso é ator e faz parte, atualmente, do elenco da novela "Cordel Encantado", da TV Globo.

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